quarta-feira, 29 de junho de 2011

Verdade nua e crua

CARTA ABERTA AOS GREVISTAS E SIMPATIZANTES
Caros companheiros de luta pela educação pública, humanista e
democrática:
Nosso movimento grevista deve ser compreendido como um momento da
resistência contra o projeto privatista da educação do Estado do Rio de
Janeiro, implementado pela nova ordem gerencial da Sec. Estadual de
Educação (SEEDUC) ─ personificada pelo “economista-pastor” W. Risolia e seus
“rebanhos-burocratas” (gestores de 1º, 2º e 3º escalões), “convertidos” à
nova seita do Planejamento Estratégico.
Os alicerces ideológicos dessa nova ordem gerencial bebem na fonte
liberal-tecnicista (predominante na década de 1970,  reforma educacional da
ditadura militar), mas com discurso atualizado pelas novas tendências
gerencias de empresas (reengenharia, TQC, TI). Portanto, estamos
enfrentando um projeto político-educacional conservador, anti-progressista,
anti-democrático, porém, travestido num discurso de inovação, de mudança,
neutralidade técnica, de qualidade, que, por isso mesmo, possui a força da
sedução daqueles mais ingênuos politicamente, ou mais interessados nas
vantagens pessoais e/ou narcísicas do poder tecnocrático.
O Planejamento Estratégico do SEEDUC-RJ pressupõe, no seu diagnóstico
equivocado dos problemas da Rede Pública Estadual, que o fracasso da
educação pública do nosso Estado se deve: a) em primeiro lugar, ao baixo
desempenho dos professores (acomodados, desinteressados, descompromissados,
abusados com licenças médicas); b) em segundo, ao alto custo financeiro com
retenção do fluxo escolar (reprovações, evasões, dependências); c) em
terceiro, à falta de controle gerencial sobre o trabalho docente por parte
do corpo técnico hierárquico (direções, supervisões, coordenadores
regionais, gerência central; d) por fim, mas não menos importante, alto
custo financeiro (!!!!) dos direitos dos professores (carga horária 16
horas, plano de carreira por formação e tempo de serviço, aposentadoria
especial, paridade ativo-inativo).
A partir desse diagnóstico conservador-tecnicista, para melhorar o fluxo
escolar com a diminuição de repetências e evasões, o projeto
político-educacional passou a privilegiar as atividades-meios
(administração escolar) em detrimento das atividades-fins (trabalho
docente) da Rede Estadual de Educação, mediante o estabelecimento do
famigerado Plano de Metas e do aumento substancial da gratificação dos
coordenadores regionais e dos diretores de escola. E, assim, a nova ordem
busca estabelecer a pirâmide administrativa empresarial de viés
hierárquico-fordista: no topo, gerência educacional (coordenadores,
supervisores, diretores) que exerce a função de controle das metas, como
engenheiros de empresa; na base,  operadores educacionais (professores
regentes e funcionários), como peões de fábrica (mas com salário muito
menor daqueles das grandes empresas) que executam as metas gerenciais e
curriculares.
Esse projeto gerencial do Plano de Metas articula-se à necessidade de
diminuição do custo desses processos para os cofres públicos. Daí a
concentração de alunos nas salas de aula ─ que normalmente transforma
três turmas em duas, ou duas turmas em uma ─, reduzindo-se, assim, o
custo-escola para o Governo, mas aumentando o custo-profissional e
custo-psicológico para os professores destas turmas superlotadas. Essa
diretriz gerencial revela o que o discurso gerencial logra escamotear: a
qualidade de viés empresarial da nova ordem da SEEDUC significa maior
produtividade (aprovação) com menor custo (superlotação).
A redução de custo e maior produtividade se desdobram na política de
meritocracia que atrela um abono (até 3x o salário) ao desempenho do
professor e da unidade escolar no cumprimento do plano de metas. Somam-se,
ainda, auxílio transporte, difícil acesso, cartão cultural, GLP, adicional
qualificação, como pacote de remuneração da nova ordem gerencial. A
meritocracia funciona, ao mesmo tempo, como mecanismo financeiro de redução
do custo salarial do magistério e como instrumento de divisão política e de
competição da categoria (nova escola aperfeiçoada para o mal). Senão,
vejamos: a redução do custo salarial ocorre por diversas razões, tais como,
exclusão dos aposentados (lembrem-se, na melhor das hipóteses, seremos e
desejamos ser um dia aposentados); exclusão dos triênios; exclusão dos
níveis do plano de carreira; exclusão do 13º salário. Do ponto de vista
político, a meritocracia detona a unidade da categoria, a possibilidade de
aumento salarial coletivo, destrói nosso plano de carreira por tempo de
serviço e formação e, por fim, institui a competição dentro da escola
(desempenhos diferenciados, abonos diferenciados) e entre escolas.
Nós precisamos repudiar, com todas as nossas forças, a meritocracia, por
que significa um desrespeito a nossa profissão, um insulto ao nosso
compromisso com a escola pública e cidadã (comunitária, democrática,
crítica e humanista), pois o sentido anti-ético dessa forma de remuneração,
transforma os professores em uma espécie de “gincanistas”, que executam metas,
estabelecidas de cima para baixo, em troca de prêmios (bônus) ao final do
ano, como uma PLE (participação nos lucros da empresa).
O Planejamento Estratégico vem impondo metas autoritárias, tarefas extras
no conexão educação (inclusive pela madrugada à espera de acesso, numa situação
humilhante profissionalmente), descaracterização dos conselhos de classe
como espaço de compartilhamento de experiências e problemas dos professores de
cada turma e de análise de cada aluno, pois o COC se resume na
apresentação da famigerada GIDE e seus gráficos de metas gerenciais.
A ESCOLA PÚBLICA NÃO É EMPRESA. EDUCAÇÃO NÃO É MERCADORIA. ALUNO NÃO É
CLIENTE. DIRETOR NÃO É GERENTE. SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO NÃO É EMPRESÁRIO.
Precisamos resistir a esse processo de violência simbólica, ética e
política contra o caráter humanista das relações professor-aluno,
aluno-aluno, direção-professor-aluno-funcionário-pais. A escola sempre foi
uma comunidade de formação humanista. Toda transformação educacional deve
partir dessa tradição e avançar na democracia participativa das decisões,
na valorização salarial e funcional do professor, no compromisso do Poder
Público com melhor condição de ensino-aprendizagem (menos alunos por turma,
todas as turmas com todos os professores, infra-estrutura adequada etc).
Companheiros de luta, nossa greve representa um grito de liberdade contra
a opressão do plano de metas e todo o mal-estar que nos vêm provocando no
cotidiano das escolas estaduais. A nossa indignação e reclamações se
transformaram, finalmente, em atuação coletiva, em movimento sindical e
exemplo pedagógico de cidadania para nossos alunos. Precisamos resistir!
Vejam, mais de dois mil e trezentos professores abandonaram, entre janeiro
e junho de 2011, o emprego público do Estado, deixando muitas escolas sem
professores; e ainda, muitos concursados são chamados a assumir a
matrícula, e não aceitam trabalhar por R$ 740,00 (R$ 630 líquido), às vezes
longe de sua residência ou município. De cada 100 alunos do 3º ano do
Ensino Médio, apenas 1 ou 2 pretendiam ser professor. Talvez nosso exemplo
de luta tenha aumentado a admiração e orgulho de nossos alunos que tanto
tem nos apoiado nessa greve. Agora, no dia 29 de junho, será nossa batalha
simbólica contra o Plano de Metas. VAMOS BOICOTAR O SAERJINHO! Vamos pedir
aos colegas que não estão em greve para não aplicar a prova, num exemplo de
solidariedade de classe. Vamos pedir aos alunos que nos apóiam para não
fazer a prova.
Essa prova não significa nada em termos pedagógicos para cada escola, não
há valor orgânico para nossa relação professor-aluno e professor-professor.
O Saerj significa um fetiche gerencial de significado simbólico de controle
sobre a rede estadual. Por isso mesmo, se torna tão importante  boicotar
sua execução. Até porque, há uma greve que o Secretário de Educação e sua
Equipe “técnica” esquizofrenicamente teimam em ignorar, mas somos apenas
“trinta professores”, pra que temer? Lembrem-se, a greve é um direito
constitucional. O governo não pode nos demitir, essa é a nossa grande força
social, mas necessita união e determinação.
Resende, 21 de junho de 2011
Prof. Edgard Bedê
30 anos de formação grevista, com muito orgulho.

edgardbede@resenet.com.br

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